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Lacrimaniacos Fã Clube.
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25 de fevereiro de 2025 às 14:59 #2985
Lacrimaniacos Fã Clube
MestreEm 7 de Setembro de 2017. Entrevista conduzida por Ulf Kubanke.
Tradução: Felipe R.R. Porto
–De David Bowie a Holger Czukay. Tilo Wollf presta homenagem a todos os artistas que partiram com o Lacrimosa e o réquiem “Testimonium”.
Em uma conversa com a Laut.De ele francamente fala sobre grandes sentimentos, o fascínio por Bowie e o “controle artístico total” no mercado da música.
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Laut.de: Você é um pioneiro quando se trata de combinar música clássica com Rock e Metal. O que você faz certo em álbuns como “Hoffnung(2015)” e “Testimonium(2017)” que o Metallica fez errado com seu eterno exemplo negativo “S&M”?
Tilo: A diferença é que eu faço os arranjos enquanto componho. Eu não escrevo um Rock e então penso em como adicionar cordas e tudo o mais. Desde o início eu escrevo cada uma das partes para os instrumentos e integro tudo juntamente. Composição e arranjos seguem de mãos dadas desde o início. Imagine um Rock apenas com a bateria, baixo e guitarra. Se alguém veio e a tornou um pop com adição de teclados, etc. sempre soaria como algo adicionado e nunca autentico como seria se viesse de uma única peça.
Esta também é uma das razões do por quê muitas gravações “crossover” soam tão artificiais. Frequentemente estas são bandas normais de rock que que escrevem e gravam suas músicas na sala de ensaio. Então eles vão para o estúdio e o produtor diz: “Eu conheço alguém que trabalha com orquestras e etc.”. Então eles escrevem algo por cima disso. Isto não pode funcionar por duas razões. Primeiro, pelas razões mencionadas acima. E segundo: há também um problema técnico. As frequências que percebemos como música precisam de espaço. Guitarras brutais, por exemplo, estão em uma faixa de frequência que rapidamente colidem com violoncelos, contrabaixos, etc. Se você não for cuidadoso, o tiro sairá pela culatra. Você tem de estar muito consciente deste problema enquanto está compondo.
Laut.de: Seus amigos do Metal, como Mille Petrozza do Kreator, estão novamente a bordo?
Tilo: Não, não dessa vez. Eu estava com muita raiva quando escrevi o álbum. Não era uma intenção que saísse dessa forma. Eu não tinha intenção de fazer um álbum este ano. Mas através de todo esse luto ele apenas explodiu de dentro mim. Por isso que eu gravei a maioria dele sozinho no estúdio ou com meus guitarristas.
Laut.de: Um Réquiem como um ato espontâneo?
Tilo: Exatamente! Eu sempre pensei que em algum momento seria possível publicar um Réquiem feito pelo Lacrimosa. O nome da banda é também emprestado do Réquiem de Mozart. De qualquer forma, eu não pensei que o faria com uma idade relativamente jovem, mas mais para o fim da minha carreira musical. Todos os planos mudaram quando eu ouvi sobre a morte de David Bowie. Isso foi um grande choque. Eu cresci com a música dele. Todas as fases da minha juventude foram acompanhadas por sua versatilidade musical e suas fabulosas habilidades de transformação. De repente essa pessoa não está mais lá. A obra está completa. Jamais haverá uma outra música nova de David Bowie. Nenhuma declaração musical sobre os eventos atuais no mundo. Ele não comentará sobre isso. Este foi um fim que agitou numerosos pensamentos em mim.
Especialmente “Wenn unsere Helden sterben”. Sim, e então? E então se seguiu um após o outro: Prince, um dos meus primeiros ídolos morreu, ou Leonard Cohen, que em minha opnião foi uma dos maiores poetas do nosso tempo. Mas eu não podia apenas me sentar por aí e ficar triste. Então eu peguei minha guitarra e comecei. Esse sentimento precisava ser extravasado. Precisava ser articulado. Foi assim que esse álbum surgiu. Se tornou claro relativamente rápido que ele seria uma história muito compacta e unificada. Houve momentos quando tudo o que eu fiz antes se juntou em uma forma compacta nessas músicas.
Laut.de: Agora, nós temos quase a mesma idade, então nós experimentamos as músicas de Bowie e Cohen ao mesmo tempo. Deixe-me perguntar: Você ainda sente que a distópica “Diamond Dogs” ou a sombria “Songs of Love and Hate” estão particularmente próximas de você?
Tilo: Oh, boa pergunta. Nunca pensei sobre isso dessa forma antes. Para mim se trata normalmente de músicas individuais e não álbum completos. Mas é verdade. “Diamond Dogs” é certamente um álbum que foi extremamente importante para mim nos meus primeiros dias na cena Dark. Eu não sei realmente o porquê. Foi provavelmente a distopia. É por isso que é um dos álbuns excepcionais para mim. Mas eu tenho de ser honesto: minha música favorita (risos), e isso certamente é inesperado, é uma das músicas pops de Bowie,“Absolute Beginners”.
Laut.de: Bowie não é, de qualquer forma, um pouco como Miles Davis: o Bowie dos anos 80 é subestimado?
Tilo: Completamente! Também penso assim.
Laut.de: Digo apenas “Time will crawl”( ‘o tempo rastejará’ , referência à musica de mesmo título de Bowie).
Tilo: (risos)
Laut.de: A abertura do “Testimonium” parece ambígua pra mim. Por um lado, é uma forma de processar o sentimento da perda. Do outro, é também um hino sobre a imortalidade da arte dos que faleceram. Uma forma de eternidade?
Tilo: Ambos são absolutamente verdadeiros. É, na verdade, um ato de equilíbrio. Aqui está a perda da mente criativa, qual não mais será seguida e a singularidade dessa pessoa ou dessas pessoas. Ninguém pode substituir Bowie, Prince, Cohen ou George Michael. Por outro lado, eles deram ao mundo algo que sempre o acompanhará. Esta é a beleza e exatamente o segundo nível do qual você está falando. Nós recebemos estes presentes. Não importa o que aconteça nós sempre carregaremos nossos sentimentos e interpretações pessoais de tudo o que eles criaram – e isso é sempre individual – conosco. Isso é exatamente do que se trata “Wenn unsere Helden sterben”, por um lado a perda, pelo outro o princípio da eternidade de “isto sempre permanecerá comigo.”
Laut.de: Há sempre vozes críticas sobre esta dualidade, que dizem que é proibido nutrir tais sentimentos em casos como de Bowie, muito menos mostrá-los, pois não se conhece a eles pessoalmente. Estas pessoas não veem isto como uma forma de processar, mas como uma forma de superficialidade em nosso tempo. O que você diria em resposta?
Tilo: Oh, muita coisa. Basicamente, o real conceito do Réquiem está baseado na ideia de que o compositor e seu público não conheceram pessoalmente a pessoa que partiu. Os enlutados nunca escreveram eles mesmos um Réquiem, no máximo encomendaram um. Houve mesmo casos em que não foi dito aos compositores quem era a pessoa falecida. No caso do Réquiem de Mozart, por exemplo, o cliente se tratava apenas de um intermediário. O principio básico do Réquiem não foi sempre baseado em construir uma conexão direta e pessoal.
Claro, é diferente com uma figura pública de quem a obra você conhece e de quem você forma uma opinião. Você não conhece realmente a pessoa, mas você se sente muito conectado a eles. Conectado pelo amor por sua pessoa e música, o que no meu caso sempre flui para minha própria música. Para mim, este é absolutamente o detalhe mais belo. Outras pessoas se sentem da mesma forma. Então eu seria completamente contra se alguém diz: ‘Não, pare! Sem sentimentos!’ Para ser honesto, se eu não soubesse nada sobre Bowie e apenas conhecesse sua música eu estaria tão triste quanto. Através da arte dele ele colocou amor no mundo. Eu acho que é maravilhoso e legítimo quando este amor não é apenas respeitado, mas também refletido.
E há um terceiro ponto: ao que se estende ‘você realmente conhece uma pessoa?’ Há sempre pessoas que te surpreendem negativa ou positivamente. Muitas tomam decisões que você jamais pensou serem possíveis antes. Sempre surgem questões como ‘Eu realmente conheço essa pessoa ou eu interpretei muitas coisas quanto a ela?’. A este respeito mesmo pessoas que são realmente próximas de você e com quem você tem muito contato podem certamente conter alguma estranheza
Laut.de: Por outro lado podem haver pessoas que não possuem ressalvas e estariam interessadas em tal Réquiem, mas temeriam serem tragadas. Por que “Testimoniun” não é ‘deprimente’ para o público?
Tilo: Eu não posso oferecer uma garantia geral. Depende de como você lida consigo mesmo e seus próprios sentimentos. Há pessoas que tendem à repressão. Isto provavelmente inclui uma grande parcela da nossa sociedade. Você pode observar que muitas pessoas passam pela vida de uma forma em que elas satisfazem suas necessidades emocionais com satisfações substitutas. Essa parcela da humanidade, que preferiria em ir a um show do tipo “beba até o coma” como o de Ballermann, definitivamente se deixaria abater se ouvisse algo assim. É diferente para uma pessoa que passa pela vida de forma auto reflexiva e é capaz de lidar com seus próprios sentimentos. Qualquer um que contenha uma lágrima e sabe que deixar a dor sair é saudável frequentemente entende que permitir isso pode também criar a força que pode te tirar dos momentos mais tristes. Para estes últimos, este pode ser um álbum muito atraente, pois você pode se deixar levar.
Laut.de: O que me atinge, especialmente com este álbum e seu predecessor (Hoffnung) e, até certo ponto, com Revolution, é que o nível de detalhe e complexidade na qual Clássico e Rock se fundem é surpreendente. Por exemplo, eu realmente gosto da passagem em “Nach dem Sturm” na qual a elegíaca guitarra transita perfeitamente para dentro das cordas e dos trompetes quase Brucknerescos. De onde vem essa nova profundidade?
Tilo: Eu intensifiquei massivamente esse processo que descrevi no início. O arranjo está muito mais próximo da composição e cresceu dentro desta. Eu toquei este solo de guitarra que você mencionou quando o restante – tudo que veio depois – não havia ainda sido composto. Eu saí do verso e quis dar ao sentimento outro nível de expressão. Por isso eu toquei essa melodia de guitarra. Isso quase que automaticamente fez surgir à ideia de capturá-la com grandes cordas e ao mesmo tempo amarrando-a em uma bombástica concha. Então eu desenvolvi a composição ainda mais usando o arranjo.
Você está absolutamente certo no que diz. Pois este processo começou em seus primórdios com “Sehnsucht”. Aquela foi a primeira vez que eu tentei ter um vislumbre de onde eu queria ir. Mas isso não foi muito expressado lá. Tornou-se notável pela primeira vez no “Revolution”. E isso foi realmente expressado imensamente nos dois últimos álbuns. Acho muito empolgante e gentil que você tenha notado isso e criado um tópico aqui. Eu me sinto da mesma forma.
Os dois últimos álbuns em particular soam como irmão e irmã pra mim. A profundidade com a qual um tema flui dentro do outro vem da verdadeira alegria de compor, que tem se desenvolvido nos últimos anos. É mesmo incrivelmente divertido ‘brincar’ com todos os instrumentos. Eu me sinto como uma pequena criança parada dentro de uma loja de brinquedos.
Laut.de: Você já pensou em fazer um álbum sem eletricidade e em substituir o contexto de guitarras elétricas com violões acústicos dedilhados? Se pode ouvir em “Herz Und Verstand” que isso se encaixaria bem no conceito.
Tilo: Para ser completamente honesto, quando eu comecei “Wenn unsere Helden sterben” havia a ideia de utilizar apenas instrumentos acústicos. Eu rejeitei isso porque eu percebi que eu poderia estar aceitando dois desafios de uma só vez. Foi difícil o bastante colocar meus sentimentos dentro do Réquiem. Para explicar brevemente: a música é um idioma. E você precisa aprender este idioma. Eu aprendi algumas coisas. Trabalhar de forma totalmente acústica seria como tentar aprender russo. Antes de formular uma frase completa no novo idioma eu quero ser capaz de fazer isso um pouco melhor. Então eu manterei essa ideia em mente, mas colocando-a em banho-maria por um pouco mais de tempo.
Laut.de: Nós também temos de abordar seu estilo bastante polarizador de escrever letras. Você consegue entender que para algumas pessoas a porção dupla de ‘pathos’ na música e nas letras é uma coisa boa demais?
Tilo: Eu posso imaginar. O ponto é que eu não escrevo as letras de forma tradicional. Basicamente é um tipo de poesia. Eu não comecei a música porque eu queria ser uma estrela do rock. Foi sobre colocar meus textos na música. Desde que essas letras têm muita expressividade e dão muito espaço para emoções, essa profundidade e peso podem também ser encontrados em minha interpretação musical. Se você mantem este principio em mente, você irá entender bem melhor. Mas claro, se você vem de várias músicas do rádio, etc… pode ser muito confuso de início. Ou você pode achar algo deprimente ou patético demais.
Laut.de: Um músico global falante de alemão de quem o sucesso é frequentemente ignorado nos meios de comunicação nacionais, fora dos jornais locais. Você sente como se estivesse sendo tratado injustamente?
Tilo: Procurar justiça nesse mundo é um esforço inútil, de qualquer forma. Mas se você quer ver isso no “preto e branco”, eu posso responder sua pergunta com “sim”.
Laut.de: Com seu selo Hall of Sermon você é artisticamente livre e independente. Como você descobriu que um “Controle Artístico Total” apenas funciona com sua própria gravadora?
Tilo: Isso foi depois de enviar minhas primeiras fitas demo. Em resposta eu recebi contratos nos quais os selos determinaram quais músicas estariam no álbum, em qual ordem, etc. Aquilo me chocou completamente. Eu tinha 17 anos na época e não sabia nada sobre o ramo. Eu não queria ceder meus direitos. Então pensei comigo mesmo: ‘Você o fará você mesmo’. O problema foi: ‘Como eu consigo que a música que faço no teclado seja gravada, e então como consigo que a gravação vá para as lojas?
Não havia internet até então. Então eu passei um ano procurando literatura especializada nas bibliotecas. Encontrar isso não foi fácil. Eu li, internalizei e consegui vários empregos a fim de ser capaz de arcar com os custos. Então em algum momento veio o ponto onde pensei: “Agora você pode fazer o que você quiser. Eu tenho um selo de gravação!”. Claro, uma vez que eu desfrutei desta liberdade, eu naturalmente nunca quis ceder o controle novamente. E não cedi.
Fonte:
https://www.laut.de/Lacrimosa/Interviews/David-Bowies-Tod-war-ein-Schock-07-09-2017-1485
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